
Avião da Voepass que caiu há 1 ano teve falha omitida horas antes de decolar, diz testemunha

Quase um ano após o desastre aéreo que matou 62 pessoas a bordo de um avião da Voepass, em Vinhedo (SP), o relato de um ex-funcionário que presenciou a última manutenção do ATR 72-500 acrescenta um fato novo às horas que antecederam a decolagem para Cascavel, em 9 de agosto de 2024.
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Segundo a testemunha, que atuava no setor de manutenção da companhia, ouvido pelo g1, o piloto que utilizou a aeronave na noite anterior ao acidente relatou naquela data à equipe de manutenção que havia enfrentado problemas com o sistema de degelo do avião. A falha, que deveria impedir a aeronave de decolar para Cascavel na manhã seguinte, foi omitida do diário de bordo técnico (TLB) e, por isso, ignorada pela liderança do hangar naquela madrugada.
TLB é a sigla para technical log book, um livro que registra as principais ocorrências mecânicas a bordo de uma aeronave. Esse tipo de documento é obrigatório pelas normas da aviação comercial de passageiros no Brasil e no exterior.
"Essa aeronave nunca tinha apresentado esse tipo de falha, né? Só que no dia do acidente, quando essa aeronave chegou de Guarulhos para Ribeirão, ela foi reportada verbalmente pelo comandante que trouxe ela. Foi alegado que ela tinha apresentado o airframe [fault] (alerta emitido quando há problema no degelo) durante o voo. E ela estava desarmando sozinha. Ele acionava [o sistema] e ela desarmava. Coisa que não poderia acontecer." , afirmou a testemunha ao g1.
A Voepass não quis dar entrevista e afirmou, em nota, que a segurança sempre foi prioridade da companhia e que "sempre atuou cumprindo com as exigências rigorosas que garantem a segurança das suas operações aéreas". Veja mais abaixo detalhes da posição da empresa.
Segundo o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil, o pleno funcionamento do sistema de degelo é condição obrigatória para voos com destino a regiões com previsão de formação de gelo como no trajeto do voo 2283 da Voepass no dia do desastre.
A cronologia
Pelo relato do ex-funcionário, o voo do comandante que teria enfrentado problemas no airframe era o 2293. Dados do site Flightradar, que monitora voos do mundo todo, confirmam que esse voo foi operado pela mesma aeronave que caiu em Vinhedo, a PS-VPB.
A cronologia da aeronave no dia do acidente, reunindo o relato do ex-funcionário com as informações oficiais dos voos, foi a seguinte:
- 00h12: avião sai de Guarulhos
- 1:00: avião pousa em Ribeirão Preto, onde o piloto relata verbalmente ter enfrentado falhas no sistema de degelo
- Entre 1h e 5h30: avião parado no hangar para manutenção básica, sem investigar a pane relatada pelo piloto, sob a justificativa de que ela não foi formalizada por escrito
- 5h32: avião decola de Ribeirão
- 6h35: avião pousa em Guarulhos
- 8h20: avião sai de Guarulhos a caminho de Cascavel
- 11:56: avião decola de Cascavel rumo a Guarulhos
- 13h22: avião cai em Vinhedo
Falha não reportada
Segundo a testemunha ouvida pelo g1, a decisão do piloto de não reportar formalmente a falha identificada por ele ocorreu em um contexto em que funcionários eram pressionados pela diretoria da empresa a evitar que aeronaves ficassem paradas para manutenção. Ele também diz que quase sempre havia pouco tempo para avaliar as condições dos aviões. Sem o registro no TLB, os mecânicos não tinham autonomia para corrigir a falha.
"Ela [a aeronave] chegou por último, por volta de meia-noite e meia, quase uma hora, e 5h30 da manhã ela já tinha que estar lá em cima para poder assumir voo. É um período muito curto para ser feita manutenção na aeronave. Era a própria diretoria que exigia isso, queria o avião voando. Então assim, eles nem pesquisaram [o problema no sistema de degelo]", diz.
De acordo com o ex-funcionário, a equipe levou à liderança do turno o alerta verbal do piloto, mas, ao saber que não havia registro formal no TLB, a decisão foi de ignorar o problema e manter os voos previstos para a manhã.
"O próprio líder questionou: 'bom, se ele não reportou em livro, não tem pane na aeronave'. Esse era o legado da empresa: se o comandante reporta, tem ação de manutenção; se não reportou, eles não vão perder tempo com nada que ele falar", disse o ex-funcionário.
O gelo e a queda
Já se sabe, pelas informações da caixa-preta, que o botão de airframe de-icing (sistema de degelo) do ATR 72-500 foi acionado três vezes durante o voo de Cascavel até a queda em Vinhedo. E, provavelmente, ele não funcionou, de acordo com Carlos Eduardo Palhares Machado, diretor do Instituto Nacional de Criminalística (INC), uma das pessoas que atuaram diretamente na perícia.
"Eles estarem voando em uma altitude, uma altitude que tem gelo, em uma condição de gelo severo, e ter apertado por três vezes e, muito provavelmente, aquele dispositivo não ter funcionado, isso é muito relevante do ponto de vista do que causou, do que pode ter causado o acidente", diz Palhares.
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) indicou no relatório preliminar que a caixa-preta do avião captou uma conversa entre os pilotos em que mencionam uma falha no sistema de degelo.
Fonte: G1


